Cultivos Ilícitos, Estado (Políticas Públicas)
e Trabalhadores Rurais na América Latina: o caso da opção pelos
desfolhantes químicos e a versão dos camponeses atingidos
O uso de desfolhantes químicos como opção de erradicação das plantações de coca
afetam de modo dramático as populações indígenas que cultivam a planta proibida
pelo Estado, porque os produtos utilizados nas aspersões podem chegar a matar ou
cegar camponeses. Ou contaminam os picos nevados do altiplano andino, os quais
ao derreterem abastecem de água potável, inúmeras comunidades que se distribuem
montanha abaixo além de poluírem os rios que irrigam plantações e representam
fonte de proteína através da pesca - todos contaminados pela causa do extermínio
de alguns hectares dessas plantações.
Essa prática conduz à fortes tensões e internamente, fomentam as fontes de
divergência entre camponeses e Estado nos países
afetados - Bolívia e Colômbia, sobretudo.
A
contradição existente entre posições, experiências e interesses envolvendo o
poder público e os ‘cocaleros”, aparece principalmente referida a prática de
cultivos que passaram a ser criminalizados, o que atua no sentido de
potencializar a marginalização de produtores rurais.
Considerando-se este fato pode-se afirmar então que essa realidade cindida pode
conduzir a diferentes perspectivas de análise para a compreensão desse tipo de
agricultura (ilícita) e dos significados diferenciados que gera acerca do uso da
terra e da reprodução cultural dos cocaleros.
Minha proposta neste artigo destaca-se no sentido de procurar entender, a
densidade do fenômeno enquanto uma prática experimentada por trabalhadores
rurais latino-americanos, envolvidos com o cultivo de plantas criminalizadas -
uma agricultura que passou a assumir uma escala comercial em período recente,
para entender, nesse processo a atuação do Estado e seu impacto sobre esse
segmento social. E pretendo desenvolver minha análise com base em textos e
documentos do acervo do Observatório Fundiário Fluminense, um núcleo de pesquisa
e extensão da Universidade Federal Fluminense.
Fato típico que merece destaque para um entendimento mais geral nesse âmbito,
aconteceu na Bolívia, e refere-se à relação desigual e adversa promovida pelo
Estado com o campesinato, através do processo de erradicação de cocais,
estabelecendo um tipo de legitimidade na qual a autoridade central e os códigos
e regras, são expressos por uma fonte que em lugar de servir como parâmetro
tácito, se reproduz como desigualdade em conflito, e autoritarismo, não apenas
em função do ato ilícito, mas desconhecendo as razões históricas,
econômicas e políticas, dessa escolha pelos camponeses.
Através
do sistema de identificação no qual o Estado aparece como “adversário”, o senso
de alteridade se define para os camponeses indígenas daquele país, na identidade
do Nacional, e isso acaba
potencializando uma ambiguidade complicada para a construção da cidadania
boliviana.[1]
Na Bolívia, a vantagem de termos como referência comparativa uma cultura
indígena como o “tradicional” que se opõe ao
Estado supostamente “moderno” em que os cocaleros são parte do sistema
étnico reprodutivo do país, e que é diferente do caso brasileiro, é justamente a
de que esta singularidade é o que confere à questão do Estado uma maior
visibilidade.
A
importância da exploração desses fatos e o modo de sua ocorrência na Bolívia,
está relacionada com a descoberta de um panorama da situação sociológica que nos
importa entender: o efeito das políticas públicas e dos projetos nacionais sobre
comunidades locais de trabalhadores rurais afetadas pelo cultivo ilícito.
Na Bolívia, a repressão ao cultivo de uma planta
nativa, além de ter vindo como uma decisão internacional, exógena, ainda piorou
as condições de sobrevivência do campesinato, introduzindo e reforçando duas
lógicas explicativas (enfoques) que se transformaram em duas realidades na
experiência desses trabalhadores: a
deles, que os tornava subitamente proscritos, e a dos “outros”, os mais fortes,
internacionalmente, que era aceita como legalidade e situada como hegemônica até
dentro de seu próprio país. Na minha opinião, essa divergência de perspectivas
entre Estado e população nativa atuou de fato no sentido de acirrar as
contradições deste segmento com o Estado Nacional e aumentou a sua
marginalização dentro da sociedade.[2]
Finalmente,
ao contrário do que se poderia imaginar, o fim da ditadura não representou o fim
da opressão contra a população de trabalhadores rurais indígenas, ao contrário,
a presença estatal junto às comunidades assumiu feições ainda mais violentas,
por causa do processo de erradicarão da coca.
As duas regiões que reúnem a maior parte da produção de coca na Bolívia são o
Chapare e os Yungas e é através delas que se revela uma outra realidade submersa
quando se desce ao testemunho de seus agentes. Essas regiões aparecem
diariamente no noticiário nacional configurando um território altamente
periculoso e marginal, como no caso do Polígono da Maconha no Brasil.
Segundo a versão de um grupo de apoio aos cocaleros, a mídia é implacável ao
falar do Chapare e ao apresentá-lo para o resto do país:
“... pero solo hablan de enfrentamientos, bloqueos,
heridos o muertos, Del narcotráfico y hasta de guerrilleros. No hablan de la
vida cotidiana en los pueblos, los sindicatos y las sendas, y tampoco hablan de
la realidad de la erradicación forzosa y los productos del desarrollo
alternativo, como tampoco explican porqué los cocaleros salen a protestar en
defensa del derecho de cultivar la hoja de coca; porque están buscando de qué
vivir y no porque sean subversivos o narcotraficantes.”[3]
Na presidência de Victor Paz Estensoro, o governo da Bolívia assinou, em 1961,
a Convenção de Viena, comprometendo-se a erradicar o cultivo de coca, e
“o costume de mascar a folha” no país em 25 anos, sem qualquer
participação das comunidades indígenas tradicionais, praticantes dessa economia
e reprodutoras culturais desse costume, além de majoritárias, do ponto de vista
populacional.
Durante esse período, a coca não só não foi erradicada, como atingiu seu melhor
preço no mercado nacional e internacional (o
boom da coca ocorreu justamente nos
anos oitenta), e deste modo, em 1986, esgotando-se os 25 anos acordados,
iniciou-se o processo de erradicação.
Por ter se estabelecido em várias etapas, em cada uma delas a erradicação
representou um tipo de relação entre Estado e camponeses, e que foi tornando-se,
gradativamente, cada vez mais violenta e, o mais impressionante, sendo também
gradativamente deslocada na compreensão do conjunto da sociedade, pelo modo como
era “apresentado” o problema, sempre no âmbito da criminalidade e da repressão
necessária, e desta forma, tornando-se crescentemente aceita – apesar de suas
formas cada vez mais abrangentes e etnocêntricas - como a melhor e mais justa
solução.
Na primeira fase, iniciada em 1986, pagava-se uma compensação e estabeleciam-se
assim as condições do início do que se chamava um novo desenvolvimento
alternativo, e que correspondia ao nível do debate nacional sobre o tema da
criminalização da coca pelo mundo.
Tratava-se de uma compensação pecuniária paga ao dono do cocal que era
individual e parte em espécie, permitindo ao camponês um acesso pelo menos
parcial ao dinheiro. No Chapare a erradicação compensada com indenização começou
em 1987 e correspondia à $US 2000 por hectare (ha), do qual só se pagava $US 350
em dinheiro e o resto em ferramentas, mudas, e insumos para o novo cultivo.
Nos primeiros anos não avançou
porque os erradicadores, não especializados, não entendiam o que faziam
nem conheciam bem a folha: cortavam a planta há poucos centímetros do
chão, quase no mesmo nível da poda que os camponeses costumavam a fazer a cada
cinco ou seis anos. Aparentemente haviam erradicado, e o dono do cocal demandava
sua indenização, mas como era uma poda, a planta “erradicada” voltava a crescer.
Existem assim duas visões acerca dessa etapa que oferecia alguma abertura para
os camponeses. A do governo que reflete o esforço e a descoberta de que a
erradicação não avançava e um certo empenho no sentido de se dificultar o aceso
dos produtores à compensação, aumentando a burocracia e encastelando nas
entidades meio quase todo recurso enviado pelo Estado; e a versão dos
plantadores que de seu lado, sempre que podiam,
procuravam fazer o mesmo que os representantes do governo: transformar
esse processo numa ação a seu favor, como o caso acima citado.
Naturalmente que esses casos de uso da oportunidade não excluem a situação de
marginalização dos cocaleros, os quais enfatizam cada vez mais sua organização e
sua luta, além de apresentarem denúncias e queixas embora se admitissem que
a forma de “erradicação” até
então adotada e entendida como “projeto de desenvolvimento agrícola
alternativo”, apesar de agressiva culturalmente, pelo menos se aproximava mais
da realidade camponesa.
Outro fato que aparece na narrativa dos cocaleros do
Chapare[4]
é que muitas vezes eles mesmos faziam a tal poda e chamavam o escritório de
desenvolvimento alternativo responsável – uma ONG ou uma agência ligada ao
governo – e mostravam ao engenheiro da entidade como “erradicado” e ás vezes o
engenheiro autorizava o pagamento da diária para o corte e ainda a compensação
pelo cocal erradicado. Claro que esse cocal podado, voltava a crescer e era
supostamente “erradicado” outra vez.
Alguns mais espertos, inclusive, recolhiam a planta recém cortada e a
replantavam em outro terreno com se ainda estivessem crescendo e depois de
mostrá-la as arrancavam e pediam indenização pela suposta erradicação de mais um
cocal. Além disso como qualquer cocal valia a mesma coisa – estivesse limpo e
capinado ou cheio de mato, muitos cocaleros conseguiram se beneficiar dessa
política do Estado.
O
importante a registrar é que a erradicação nesta fase era voluntária,
quer dizer, o produtor precisava ir até o escritório de Desenvolvimento
Alternativo oferecer seu cocal para ser erradicado. A maioria não ia porque o
sindicalismo criticava a erradicação de modo geral. Era possível optar.
A
crise agrícola que se instalou nos anos oitenta – provável sintoma dessa
política pública - levou á saída de muitos trabalhadores diaristas ou de regime
de parceria, do campo. Assim médios e grandes cocais, sem mão de obra, acabaram
por erradicar suas plantações. Alguns chegaram a receber, segundo documento do
grupo de Trabalho ‘Em Defesa da Folha da Coca’ até dez mil dólares ou mais, o
que dava para estabelecer um negócio de comércio no Pueblo mais próximo, outros,
a maioria, tentaram o caminho dos cultivos alternativos.
Nestes casos a tragédia parecia anunciada:
“Los productos del desarrollo alternativo nunca llegaran a tener los precios que
habían prometido los ingenieros de los proyectos que los traían. Tampoco daban
cosechas cada tres meses como la coca.”[5]
Por esta razão (falta de preços competitivos, e períododo da safra), na sua
lógica de sobrevivência, os camponeses voltavam a cultivar coca, outras vezes
erradicavam um cocal mais velho, recebiam a indenização e financiavam a
plantação de um cocal novo. Assim, a quantidade dos cocais não se reduzia
significativamente apesar da política investida pelo governo.
O
presidente Banzer então estabeleceu o chamado “Plan Dignidad” que
deveria atuar entre 1998 e 2002, aceitando o argumento de sua assessoria
de que os caçais não estavam sendo erradicados na quantidade e velocidade
pretendida e que defendiam o fim das indenizações individuais sob a alegação
enfatizada pela mídia de que o governo estaria subvencionando os camponeses.
Iniciando o que se poderá chamar de segunda fase da erradicação, o
Plano começou reduzindo o pagamento individual por há, de $US 2.500 para
$US 1.650 e logo para $US 800, até acabar com o repasse em fins de outubro de
1998. O Estado passou então a pagar “compensações comunitárias”.
Esse tipo de compensação passou a ser estabelecido sob novos critérios. Era
necessário juntar todos os cocais a serem erradicados em um sindicato até
somarem um total de dez ou quinze há . O governo colocava um preço relativo a
esse total que, em 1999 podia ser de $US 2000 por há, mas até 2001 já estava
cotado em no máximo, $US 500.
O
acontecia? Os sindicatos não recebiam o dinheiro mas o governo se comprometia em
fazer melhorias (obras públicas) para a comunidade que teoricamente teriam o
mesmo valor, e os camponeses nunca veriam o dinheiro ou saberiam como era
calculado o preço da obra em relação ao ganho comunitário obtido com a
erradicação de cocais e isso aconteceu tanto no Chapare como nos Yungas.
A
terceira fase será conhecida, e até hoje implementada, como a da “ Erradicação
Forçada”! Nesta fase consagrou-se o fim irrevogável de qualquer caráter
voluntário relativo à participação dos camponeses no processo, e transformou os
“erradicadores”, de engenheiros agrônomos em força militar,
que passaram a ser identificados pelos camponeses como “Lobos” ou “Leos”,
os leopardos. E a compensação acabou, finalmente sob qualquer forma, em dezembro
de 2001.
Desta data em diante os relatos tornam-se mais fortes e a repressão moral e
física aos camponeses - que nos livros da editora do Instituto de Antropologia
são apresentados numa foto com a legenda: “
Desde que se sabe, os yungueños sempre foram cocaleros, e passaram toda sua vida
trabalhando em
cocais”.[6]
– tornou-se violenta e indiscriminada, a serviço de uma concepção internacional
completamente em desacordo com a experiência local
e endossada pelo governo desse país, contra sua própria história.
Nas falas de alguns produtores do Chapare, ressalta a discrepância dessas
lógicas existentes e praticadas entre Estado e campesinato local[7].
“
Yo calculaba que han econtrado apenas tras catus
[8]
de coca, pero ellos hn hecho parar a uma hectárea y media”. (p. 12)
“
No lo saquen mi coca, ?con qué vamos a comer? ? Con qué vamos a ir a la
escuela?” (p. 14)
“
Ustedes también mascan coca y ?cómo es que quierem hacer desaparecer la coca?”
(p. 16)
“Hasta donde nos está llevando este maldito gobierno?” (p. 18)
E
num relato sobre os abusos do Estado através da erradicação tornada repressão
militarizada, se lê a fala de uma adolescente:
-“ Yo tênia diez años, cuando escuché a mi papá y
Don Salomon hablar, como habían erradicado el cocal de uno de mis vecinos
del fondo. Esse dia estaba jugando cartas com los hijos de Don Salomón enesu
casa, cuando mi papá me llamó y entró a la casa de
Don Salomón. Ahí Don Salomón ha salido y le ha hablado. Perguntó por mi y
el le dijo que estaba jugando com sus hijos. Ahí es donde escuché, y le dijo “?
Te has enterado que a su hija de Don Lucas le habian violado a noche?” Mi papá
asombrado le preguntó como ocurrió. Pues le ha dicho al estar erradicando los
‘Leos’ habían entrado a su casa. Don Lucas y su esposa estaban mareados. Les
habían agarrado y les sacaron afuera de su casa. Don Lucas, como estaba tan
mareado, no pudo defenderse. A su hija y su esposa las violaron y !los perros!
La mataran a tiros [ a la hija]. Después de haber hecho eso, quemaran su casa.
Nosotros no hemos escuchado nada, ni siquiera para ir a ayudarle. Cuando recién
se há sentido el olor a quemado, el vecino de al lado há salido a ayudarle. Esos
Leopardos ya habin hecho todo y se levaran algunas de sus gallinas. Revisaron la
casa de pies a cabeza y también se llevaron su plata. Cuando ya acudimos em su
ayuda, Don Lucas junto com su esposa y hijos se encontraron llorando y Don Lucas
juro vengarse. Al dia seguiente cuando Don Lucasfue a levantar la demanda no lê
hicieron caso, ya que los policías tambiém estaban em complicidad com ellos.”
(Pp. 21-22).
Os relatos sobre a impotência dos agricultores ao ver um governo que não defende
os interesses dos camponeses são os mais freqüentes e a tensão das contradições
se fazem claras na agenda dos camponeses bolivianos dessa região.
Em 2003, data da publicação do texto, os cocaleros já se encontram organizados
pelo sindicalismo liderado por Evo Morales que, finalmente, traz à cena nacional
as reivindicações desses produtores -
tanto como direitos seculares ou pela “dignidade da pessoa”, quanto como
proposta contemporânea de integração na economia mundial.
Mas só se pode compreender essa recente virada na Bolívia (com a eleição de Evo
Morales, um cocalero, para presidente), a partir do acumulo de humilhações e do
caráter repressivo estabelecido pelo Estado como conteúdo principal de sua
relação com o campesinato cocalero e pela coragem e atitude reativa que foram
desenvolvendo desde o plano individual até a organização sindical que tomou o
cenário político do país.
Em outro depoimento um cocalero descreve a reação que tiveram, dando a entender
que a resistência começava pela coragem e solidariedade que foram adquirindo
gradativamente nesse processo, e pela decisão de contrariar a vontade do Estado
como sindicalizados: erradicação acompanhada de mais plantio da folha!
“Hoy amaneció nublado. Los alqus [homens a serviço da erradicação] llegaran de
vuelta. Después de desayunar, Doña Justina, Don Timoteo, Don Lino, Don Roger y
yo fuimos a ver qué cocal ahora van a erradicar. Se estacionaron en el cruce.
Don Lino se acercó a um alqu, empezaron a conversar y nosotros nos adelantamos.
Los niños le pidieron pan y el que estaba conversando com Don Lino ordeno al
chofer Del caimán que lês de pan. El chofe saco el pan y lo dio a los niños.
Despues de conversar Don Lino com elalqu, don Lino molesto nos cuenta que es lo
que le dijo. “Lê pregunté ? hasta cuando iban a erradicar? Y el alqu me
respondió que hasta que no haya coca. ?Porqué? le dije, y el alqu me dijo
‘porque tu papá Evo así lo quiere. Nosotros no tenemos la culpa, la culpa la
tiene tu papá Evo’.” Sin más que
decirle, Don Lino se vino molesto. Llegamos al lote de Don Alejandro que es del
sindicato de al lado. Justo hoy lo erradicaron. Com su cara de pena, casi
llorando decía “?Y ahora com que voy a vivir, com qué voy a mantener mis hijos?”
Doña Justina le decía “No te preocupes, vamos a volver a plantar coca y esta vez
más. Peor ellos vienen a erradicar, nosotros vamos a plantar más coca todavia”.
Despues que se foron los alqus, empezamos a recoger las plantas, y a cosechar
[las hojas que había en las plantas arrancadas] hasta la hora del almuerzo”.
(Pp. 17-18)
Esses relatos a meu ver retratam uma diversidade de questões, mas entre elas a
tensão no relacionamento que se estabelece entre esses pequenos produtores
rurais e o Estado que se torna, para eles, num adversário que deve ser
combatido, mas com as armas do próprio Estado – o sindicalismo!
[1]
Mas nem por isso, no caso do Brasil onde esse campesinato que cultiva
plantas proibidas não pertence a um grupo étnico
ou faz parte de uma população tradicional, o Estado aparece como
menos estranho e duplamente interventor quando se trata desse tipo de
agricultura.
[2]
Embora, diferentemente do caso brasileiro,
essa “marginalização” acompanhada de ganhos reais em termos do
desempenho econômico com o comércio da coca, pode ter levado a uma certa
independência indígena que atingiu um nível de organização nunca antes
visto. Os ‘cocaleros’, que chegaram a fazer um presidente, tiveram um
papel central na virada popular na Bolívia, enquanto na região conhecida
como “polígono da Maconha” no Brasil a situação, pelo oposto, aumentou o
nível de individualismo e fragmentação entre os trabalhadores que
décadas antes haviam construído um forte processo de resistência
organizada contra a Barragem de Itaparica. Mas aqui o interesse refere-se
á relação entre esse tipo de agricultura, seus produtores e as políticas
públicas. Ou algo a respeito de como o Estado lida com essa situação. No
Brasil só se constituem modalidades de repressão ao passo que na Bolívia
se apresentam processos mais articulados.Talvez o Brasil tivesse muito a
aprender com a experiência boliviana neste caso, se quisesse evitar a
repetição de mecanismos de criminalização e de exclusão social de
segmentos subalternizados do campo.
[3]
GRUPO DE TRABAJO ‘EM DEFENSA DE LA HOJA DE
COCA’ – “Así Erradicaron Mi Cocal.Testimonio de Campesinos Chapareños en
Los Tiempos de Erradicación Forzosa”, Editorial MAMAHUACO, La Paz,
octubre de 2003, 1ª ed. (pp. 3) (mamahuaco@unete.com)
[4]
Ver, “Testimonio de Campesinos Chapareños en
los tiempos de errradicación forzosa”. Op Cit. e Alison Spedding &
Abraham Colque, NOSOTROS LOS YUNGUEÑOS. Testimonios de Los Yungueños Del
Siglo XX. Editoriam Mama Huaco, La Paz, 2003 (Instituto Mama Huaco.
Investigaciones Antropológicas) Edición Bilíngüe: Ayamara – Castellano.
(Acervo OBFF – UFF)
[5]
Id. Ibidem. Pp. 7.
[6]
Op Cit, livros de testemunhos do Chapare e dos Yungas (Ver pp. 108).
[7]
Op. Cit. PP.
[8]
“Catus” quer dizer moitas.